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UM CONTO DE FARDAS, por Celso Antunes

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Wesley viu seu último pôr do Sol no castelo elevado às nuvens.

Assim é visto da praia da Barra o Forte de Santo Antonio.

Ao final do pátio cercado por balaústres está o imponente cone do Farol da Barra apontado para o firmamento.

Abaixo, arrecifes não deixam o oceano que vem do horizonte prosseguir e causam marulhar eterno de ondas que se quebram.

A fortificação foi baluarte na expulsão dos holandeses.

Ela impediu o contra-ataque dos invasores e restituiu Salvador aos portugueses no século 17.

No início do terceiro decênio deste século 21, precisamente, dia 28 de março, o ponto turístico a que ora se presta foi palco de tragédia.

O acontecimento, a morte de um soldado da PM, é representação mística da política nacional.

O escritor Charles Péguy afirma que tudo começa com mística e termina com política, (Notre Jeunesse, 1909).

Mística é um modo de conduzir a mente numa crença como a do mito do salvador da pátria e da família cristã.

Na coletividade se torna força política, como explicou Péguy.

Por sua vez, a crença fanatizada leva ao surto psicótico como acometeu ao PM Wesley Soares Góes.

Ele pintou o rosto de verde e amarelo, uniformizou-se a caráter, armou-se de revólver e fuzil e abalou-se de Itacaré com destino a Salvador distante 250 km como partisse para a guerra.

O pensamento fixo, impossível de se saber qual deles.

Não escapará do conflito do Presidente com o Governador da Bahia, a sublevação da tropa por aumento dos soldos ou a crença da “salvação da pátria” pela intervenção militar, fechamento do STF e dar plenos poderes ao Presidente.

Ele se encontrava na avenida de Sete de Setembro, centro de Salvador, ao meio da tarde.

Dispara tiros para o alto de dentro do carro.

Inicia a fuga e perseguição.

É encurralado no Farol da Barra.

Desce do carro, vê-se cercado pelo BOPE.

Clama alto: “Comunidade, venha testemunhar a honra ou a desonra de um policial militar do Estado da Bahia”.

O impasse gasta horas.

Finalmente, decide: “É chegado o momento”.

Faz contagem regressiva atira nos companheiros de farda.

Os policiais respondem com saraivada de balas.

O sangue de Wesley abatido tinge as pedras seculares do calçamento do Farol da Barra na cena final de sua via-crúcis.

Era um dia de Domingo.

O fuzilamento ocorreu minutos depois da hora da Ave Maria o céu se tingia de lilás, o dia se despedia.

O padecimento pelo surto psicótico, a morte, o abatimento dos familiares pela perda, a tristeza da tragédia, a miserável condição humana, estão fora de moda.

Como rastilho de pólvora a notícia funesta ao atingir a ala tresloucada do governo provoca euforia geral.

Imediatamente, Wesley é elevado a herói do bolsonarismo.

Franz Kafka encontraria na militância bolsonaristas, em Eduardo Bolsonaro, Bia Kicis, Carla Zambelli entre outros deputados, elementos concretos para obra de sua especialidade, o absurdo.

A desgraça do soldado é fato oportuno para incitarem a multiplicação de Wesleys no país e consumar a rebelião contra os governadores.

À sublevação policial seguiria o apoio de caminhoneiros, milícias e cidadãos armados que promoveriam o caos a obrigar às Forças Armadas intervirem fechando Congresso e STF.

Bolsonaro passaria a ter poder absoluto e coroado Ditador do Brasil.

Por tais absurdos desvela-se a origem da patologia mental da qual Wesley realiza a mística do delírio da crença bolsonarista.

Os militares conduzem a política desde 2015, não necessitam de golpe, já são governo.

De suas fileiras saíram o candidato à presidência e à vice-presidência, contam com 7 ministérios, cerca de 2.500 cargos apenas no executivo federal e são os únicos a garantirem reajuste de remuneração no Orçamento.

Bolsonaro é criatura não criador

Basta um cabo e um soldado para o general Mourão tomar sua caneta Bic e a mística de Wesley se concretizar de cabo a rabo.

 

Celso Antunes, Águas de Lindoia (SP). O autor da coluna escreve de forma voluntária e livre, crônicas  e artigos pessoais sobre temática política, sociedade, comportamento etc.

 

 

 

 

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