Algumas pessoas marcam a vida da gente.
Certos professores marcam indelevelmente a vida dos alunos.
Destaco aqui dois deles: a minha, alfabetizadora Carolina Fróes Mendes e Alfredo Bosi.
Em 1951 não havia jardim de infância, nem prezinho. Entrava-se direto no 1º ano do grupo para alfabetização. Dona Carolina era especialista no beabá, só lecionava pro primeiro ano. A pata nada, pata pa, nada na. A macaca é má.
Muito enérgica, até demais, a gente ficava meio traumatizado quando ela pegava pela orelha algum colega mais “burrinho” ou bagunceiro, arrancando-lhe sangue do lóbulo com suas unhas afiadas.
Tinha um Garcia que lhe trazia varas de marmelo com que ela açoitava ele mesmo, o doador.
Impunha respeito pelo medo, mas mesmo assim seus alunos nunca a esqueceram na sagrada tarefa de, ao fim do ano, entregar-nos para o 2º ano (profº Ivã) sabendo ler, escrever, com tabuada decorada.
Anos depois, quando era presidente da câmara, fui a sua casa em Serra Negra e ajudei a convencê-la a vender pra prefeitura o Parque Hotel e adjacências.
Por gratidão propus seu nome para a rua da prefeitura.
É evidente que pelos caminhos de minha vida tive excelentes professores. No grupo, além de Dona Carolina, o professor Ivã Galvão de França, Terezinha Bonateli Pinto de luto fechado, vestido preto o ano inteiro pela morte da mãe em 1954, quarto centenário de São Paulo, ano da morte de Getúlio Vargas, quando conclui o 4 ano primário.
O professor Ivã pude homenageá-lo ao solicitar ao deputado Ary Kara que denominasse Profº Ivan Galvão de França, a escola do Jabuticabal. Cabe à assembleia legislativa batizar escolas estaduais.
Pelo ginásio de Serra Negra passaram ótimos professores: Dolim Marote, Mercedes Passareli, Luizinha, Hélio Volponi, Gamaliel, Miss Léo, Claudio Coelho…
No ginásio de Águas de Lindóia, lá no Locomóvel (APAE hoje) Orlando Dini e Fernando Damas, de Itapira, Odila Feres e Fritz Ney de Socorro, Hélio Zucato, Melchiades, Rafael Camacho…
Em São Paulo, no Mackenzie, fiz o clássico e o futuro ator Paulo Vilaça era o professor de literatura.
Do cursinho da Maria Antônia lembro-me do excelente professor de latim – Jocob Libenstein.
Freguez assíduo do Hotel Casablanca.
Na faculdade de letras do Mackenzie fui aluno de renomados professores, alguns deles com livros publicados: Idel Becker, de Espanhol; G.D. Leoni; de Italiano; Imídeo Giuseppe Nérici de Psicologia; Rafael Grisi de Didática; Armando Tonolli e Ariovaldo Peterline de latim; Leila Perrone Moisés e Duilio Colombini de Literatura Portuguesa e ALFREDO BOSI de literatura brasileira.
Nas Arcadas da São Francisco estudei só um ano. Não consegui conciliar as 40, 50 aulas semanais com o curso de direito. Um erro imperdoável e irrecuperável. Magistério e advocacia ambas as duas são profissões dignas.
Optei pelo magistério, sem me dar conta de que, o que abunda não prejudica. Um advogado pode ser professor; o professor pode ser um advogado. Na minha curta passagem pelas Arcadas, tive aulas com “feras”. Aos Professores da USP é preciso tirar-lhes o chapéu.
Muito saborosas as aulas dos Irmãos Gofredo e Inácio da Silva Telles, do Ataliba Nogueira, do Nabantino Ramos, do Silvio Rodrigues que, quando batia o sinal, como que atingido por um raio, interrompia não a frase, interrompia, cortava a palavra. Não tive aula com o compadre Dalmo Dalari, que lecionava a noite.
De todos eles, porém o mais querido, o mais admirável, o mais inteligente foi ALFREDO BOSI de quem me orgulho de ter sido aluno e amigo.
Recém-chegado de Firenze onde ficara por 2 anos com uma bolsa do governo Italiano, Bosi Lecionava Literatura Brasileira no Mackenzie e na USP, em frente, na Maria Antônia, era assistente do Professor Bertarello, titular de Italiano.
Eramos poucos alunos de Neolatinas, menos de 10. As aulas de Bosi eram deliciosas. Como analisava Machado de Assis! Durante uns 15 dias analisou conosco, verso por verso o extraordinário poema I Juca Pirama de Gonçalves Dias.
Tornamo-nos amigos. Frequentei lhe a casa, um sobrado na esquina da Melo Alves com a Consolação.
Convidei-o a vir pra Águas de Lindoia, onde com a esposa Ecléa (Viviane e José Alfredo não eram nascidos) passaram um fim de semana em nosso sítio.
Com 20 anos eu nunca tinha visto o mar. Ecléa acertou com o pai para receber-me num fim de semana no apartamento de Santos. Desci a serra de trem. Um alumbramento quando do alto da serra avistei a amplidão do Atlântico.
Um casal harmonioso, culto, Eclea poetisa era psicóloga professora também da USP, faleceu em 2017.
E agora, dia 7 de abril de 2021, o Covid que ceifou a vida de 345.000 brasileiros levou também, aos 84 anos, meu querido, inesquecível professor. Vou guardar, com carinho, seus livros autografados.
Como reagiram colegas, amigos e vizinhos com a morte do imortal Alfredo Bosi, membro da Academia Brasileira de Letras, fundada por seu autor predileto – Machado de Assis.
“Um humanista democrático e de formação totalizante, como os tempos não produzem mais, empenhou o coração em tudo o que fez e deixa um legado imenso para todos os que vivemos na contracorrente desses tempos difíceis” (José Miguel Wisnik. Ensaísta).
“Um dos maiores intelectuais do país, ser humano da mais alta envergadura de quem tive a alegria de ser amigo e a honra de tê-lo tido como um dos meus mestres “(Antõnio Carlos Secchin da ABL).
“Homen doce, de caráter reto, cristão fervoroso. Ele com sua amada poetisa Ecléa, andando de mãos dadas, sem pressa, pelas ruas da Granja Viana, admirando cada flor no caminho. Memória inesquecível”.( thomas Hahan.cotia).
* Ismael Rielli, Águas de Lindoia. É professor aposentado, jornalista, escritor e ex-vereador. Tem atualmente um ponto de cultura no Sebo do Ismael, em Águas de Lindoia. * colaboração de Rodrigo Martins na revisão.
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