PÃO REPARTIDO, por Celso Antunes
Está na lembrança e se repete, o sofrimento por não ter o que comer.
Pedintes de prato de comida de casa em casa eram comuns, não se vê mais.
Eles foram personagens das ruas, alguns ficaram populares outros apareciam não se sabe de onde.
As famílias caridosas separavam pratos e talheres para socorrê-los. Temiam doenças, como a lepra, pelas notícias de Minas Gerais.
Outros os tratavam como vagabundos, fossem trabalhar não nasceram em cima de pedra, falavam.
Para hoteleiros da época a exposição de maltrapilhos pelas ruas a Estância perdia charme e encanto para o turista.
Entre mandatários causavam irritação, decidiam expulsá-los da cidade.
Os miseráveis não eram exclusividade de Águas de Lindoia, a fome era agonia nacional marca de país subdesenvolvido.
O Brasil entrou no “Mapa Mundial da Fome”, criado pela ONU em 1979, reunindo países com mais de 5% da população em condições de miséria.
O Brasil superava a marca com folga em 1980, época do “Milagre Brasileiro”, 40% da população passavam fome.
Em 2003 teve início o combate contra fome e miséria como agenda de governo, o esforço retirou o Brasil do Mapa Mundial da Fome em 2014.
Com o Governo Temer houve retrocesso pelo aumento da extrema pobreza a atingir a 4,5 milhões de pessoas em 2018, a maior série histórica pelos dados do IBGE.
No ano passado 19 milhões de brasileiros entraram para a faixa da extrema pobreza, em 55,2% dos domicílios brasileiros falta comida na mesa e o Brasil voltou a constar do Mapa da Fome (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, 2020).
A pandemia ampliou a grave desigualdade social, mais da metade da população passa hoje por epidemia de fome.
A população em coparticipação ativa arrecada alimentos para socorrer às famílias.
A distribuição de cesta básica já existia no programa municipal de solidariedade, em atividades de instituições civis, religiosas e ações voluntárias para completar os insuficientes recursos federais como o Bolsa Família. O cenário de fome existia encoberto pelo silêncio e se escancarou com a pandemia.
O auxílio emergencial seria o meio para contornar o grave problema social.
O cálculo do valor foi para salvaguardar a economia nacional e não para resolver o problema social, pois a conta dos que necessitam de recurso não fecha. Os valores médios do auxílio emergencial equivalem a apenas 39% do custo de uma cesta básica paulista.
Não há honestidade, menos ainda responsabilidade política e o pagamento do auxílio teve início apenas no 4º mês do ano.
A tragédia humana se desenrola.
A mãe não suporta o sofrimento das crianças chorando de fome sem ter o que comer. Irá se juntar a outras mães e fazer a peregrinação das infelizes em busca de alimento.
Na periferia das grandes cidades, irá garimpar no lixo ou caçamba nas ruas restos de alimentos em condição subumana de viver.
A doação de alimentos é cooperação com ampla participação social na solução de problemas, e isto define uma sociedade poliárquica.
O próximo passo será sistematizar a coleta e doação com organização para otimizar recursos no atendimento à demanda popular.
A democracia representativa não atende às necessidades sociais.
No estilo liberal da economia desde 2018, o Estado não deve atrapalhar o bom funcionamento do mercado baseado na lei da oferta e procura.
Nessa crença, a alimentação é problema de cada um e o governo não tem a nada ver com fome, carência alimentar e subnutrição na população.
O Brasil continua sendo o maior exportador de alimento do mundo e brasileiros infelizes estão com as mesas vazias de comida.
Organizar a sociedade e repartir o pão é mudança necessária que veio com a pandemia para ficar.
*Celso Antunes, Águas de Lindoia SP.
Veja também:
https://www.tribunadasaguas.com.br/2021/04/08/um-conto-de-fardas-por-celso-antunes/