Passa de meio século a história seguinte:
O senhor J (desta cidade), às tardes, depois do trabalho preparava uma horta na parte baixa de um terreno. Na parte alta, murada, debruçavam espectadores para vê-lo trabalhar.
Com o tempo formou admirável jardim de hortaliças e legumes. Apareceu a menina com um recado, a mãe pedia um pouco de cheiro-verde.
O senhor J respondeu com sotaque italiano:
“Pregunta prá mama se ela mora em cima de pedra”, rematou:
“Não dô e pronto!”.
O fato revoltou os moradores, o senhor J era um “pão-duro”.
A avareza, detestada pelo povo religioso era tida como “pecado mortal”. O “pão-duro” era inútil para a comunidade, dele nada se podia esperar, era malvisto, antipatizado e com ele se evitava conversar.
Na época do acontecimento era costume a troca de favores entre famílias, a fraternidade era comum e natural. A solidariedade dá sentido humano à vida em sociedade, é uma lição desse tempo de comunidade.
O império da avareza e egoísmo, é o grande mal que destrói a convivência feliz e a paz social, pois leva ao desamparo, abandono, negligência, desentendimento, corrupção, roubo e homicídio
Baseado na “Lei de Murici: cada um pra si”, desfaz a teia de cooperação e amizade causando a polarização automática entre prós e contra.
A religião passa a exercer sua força dividindo os cidadãos, os que alcançarão a salvação e os que não alcançarão, como na declaração da ministra Damares: “É momento de a religião ocupar a nação” (28.02.2020).
Pentecostais, como o pastor Silas Malafaia, adquire poder político de Estado na condição de conselheiro diário do Presidente como informou o senador Flávio Bolsonaro (22.05). Está fácil de matar a charada desse “salve-se-quem-puder” que causa a confusão e incertezas dos dias atuais.
Os problemas se resumem na política egoísta adotada pelo governo. Desde 2018 o governo decidiu seguir o chamado liberalismo que é a aplicação da Lei de Murici.
O liberalismo não é e nunca será doutrina popular, para tanto, seria necessário antes proclamar um “Manifesto Contra o Trabalho”. Somente assim seria democrático, se transformasse a população toda em empresários, empreendedores, investidores para viver de renda, juros e aplicações na Bolsa.
O absurdo é evidente.
O liberalismo é para os poucos da badalada “iniciativa privada”, os que ganham o pão com o suor do rosto ficam de fora. Como o Estado é democrático, por enquanto, é de todos e se torna o maior vilão do liberalismo, pois é o principal concorrente da iniciativa privada.
Para o liberalismo vingar o Estado tem que ser reduzido ao mínimo, para tanto, é preciso tomar as empresas estatais através de privatizações.
Depois, para dar lucro, terá que aumentar o preço das mercadorias como acontecem com combustíveis e gás e o mesmo vai acontecer com a energia elétrica com a privatização da Eletrobras.
As despesas sociais – saúde, educação, benefícios – não são cobertas pela iniciativa privada que não se responsabiliza por gastos.
Esse espírito liberal baixou nos representantes municipais e fez surgir estudos para concessão do Balneário à iniciativa privada, merece análise à parte em futuro breve (Jornal Oficial do Município, 14.05).
O Estado liberal não conhece o povo, não tem preocupação social como o Senhor J não teve, o povo pede, mas a resposta sempre será: não dou.
Assim como demora em chegar vacinas que implica em milhares de mortes, dificilmente, dará recursos para manter o auxílio emergencial e para despesas com saúde, educação, Universidades e pesquisa.
A opção liberal será pelo arrocho do salário mínimo, dos proventos dos servidores, dos benefícios do INSS, dos investimentos na área social como a casa popular.
O Presidente não se salva andando de moto individual, a nação não se salva pelo individualismo do Estado liberal.
Presidente e a maioria de Deputados e Senadores são partidários do Estado liberal, os brasileiros os escolheram nas eleições passadas.
A chance de mudar virá em 2022, chegará a vez do povo brasileiro dar o troco nos liberais com voto do “não dou”.
Liberalismo é voltar para casa sem o cheiro-verde, há quem ache bom, sinto muito.
*Celso Antunes, Águas de Lindoia (SP), escreve toda semana neste espaço.
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