Primeiro registro de mudança de nome de pessoa trans em Lindoia, marca avanço na luta por inclusão
A tarde desta quarta-feira, 21, foi um dia histórico para Fernanda Elisa de Jesus, 24 anos, a Fernanda Mimi, por conseguir, finalmente, uma nova Certidão de Nascimento no Cartório Registro Civil das Pessoas Naturais de Lindoia. Ela lutava há mais de 3 anos para ratificar o nome feminino que já usava socialmente.
“Eu me sinto muito realizada, feliz e cheia de emoções”, comenta Fernanda Elisa e destaca que para uma pessoa trans, como ela que é, uma mulher trans, a mudança de nome é importante e configura aceitação social. Na conversa com a reportagem ela relembra o bullying que já sofreu no trabalho e no dia a dia.
A história de Fernanda Elisa evidencia a luta da comunidade LGBTQIA+ em garantir direitos civis. Até pouco tempo, para que uma pessoa trans pudesse ter o nome que ela escolheu nos documentos de identificação ela precisava entrar com uma ação judicial, fazer laudos com psicólogos e optar pela cirurgia de redesignação sexual.
Em março de 2018, o Supremo Tribunal Federal, em uma votação histórica, reconheceu a importância de retirar a obrigatoriedade da cirurgia de redesignação sexual e a solicitação judicial para a retificação do nome. Agora, basta ir até o Cartório, se autoidentificar uma pessoa trans e alterar o nome e o gênero.
A partir daí, em 29 de junho de 2018, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Provimento nº 73/201814, que regulamentou a retificação do registro civil e todos os Cartórios de Registro de Pessoas do Brasil ficaram obrigados a realizar a alteração de nome e marcador de gênero nas certidões de nascimento.
História de Fernanda Mimi é de luta por aceitação e respeito
Ser trans não é fácil, mas ser da comunidade LGBTQIA+ numa cidade como Lindoia, com 8808 habitantes, e cultura conservadora é um desafio ainda maior. Fernanda Elisa, conhecida mais por Mimi, uma referência a sua mãe, Maria de Fátima de Jesus, a Mimi.
Negra, Trans e em busca de sua independência, é assim que ela se define. Fernanda voltou a morar em Lindoia há 3 anos, quando precisou parar o primeiro ano de Enfermagem que fazia na FAJ, em Jaguariúna. Na época morava em Amparo, e teve que recomeçar a vida do zero.
Nessa época, o primeiro obstáculo foi na família. Fernanda Elisa conta que até sua mãe não aceitou de cara o fato da filha ser trans. Coube a mãe adotiva, hoje já falecida, ampara-la em seus momentos de maior tristeza.
Hoje, dona Maria de Fátima, a Mimi mãe, já comemora as conquistas da filha e a chama pelo nome feminino. O primo Luís Gustavo de Oliveira foi quem pagou os R$ 151,66 da Certidão de Nascimento ratificada emitida pelo Cartório.
Na lista de apoiadores tem a patroa Ismila Mieli que sugeriu o nome Elisa para acompanhar o Fernanda. E da filha da patroa, a arquiteta Islayana Mieli que conseguiu os documentos para apresentar no cartório.
Fernanda Elisa trabalha numa casa de família, como doméstica, mas segundo ela, sua primeira oportunidade de trabalho sem ser em função subalterna, foi o plantão que faz no Pronto Atendimento do Índio de Ouro, aos sábados e domingos.
Para ela, este trabalho no atendimento do PA, foi uma conquista de cidadania, pois é próximo da área médica. Fernanda Elisa quer retomar ainda neste ano a Faculdade de Enfermagem. Ela agradece ao prefeito Luciano Lopes por ter deferido seu trabalho de plantonista.
Bullying e homofobia
Fernanda Elisa sente que a homofobia ainda está presente na sociedade. Em sua vida foram diversos momentos em que as portas se fecharam mais em função do que é, uma pessoa trans, do que por competência. Ela explica que as pessoas acham que o gay, o trans é caricato.
“Sou discreta e me dedico no trabalho”, explica. Ela conta que já foi demitida de um emprego por ser trans e se vestir como mulher trans. Outras vezes, foi chamada pelo nome de batismo que é masculino, em público e em momentos de lazer, por pessoas que a conheciam e sabiam que isso a entristecia e a desrespeitava.
Como a pessoa trans faz para alterar nome e gênero
O Provimento nº 73 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicado em junho de 2018, permite que transgêneros alterem prenome e gênero nos registros civis diretamente no cartório, sem necessidade de cirurgia para mudança de sexo ou decisão judicial.
Para solicitar a alteração, que é realizada nos registros de nascimento e casamento, o requerente deve ter 18 anos completos e ser capaz de praticar os atos da vida civil. A solicitação deve ser feita em qualquer Cartório de Registro Civil e o interessado deve apresentar os seus documentos pessoais originais.
É importante destacar que somente o prenome e o gênero podem ser alterados para a identidade autopercebida. Isso significa que o sobrenome deve permanecer o mesmo a fim de manter a identidade da família.
A pessoa interessada deve expressar a sua vontade de realizar a alteração da identidade mediante a averbação do prenome, do gênero ou de ambos e declarar a inexistência de processo judicial que tenha por objeto a alteração pretendida.
Documentos obrigatórios
- RG e CPF;
- Comprovante de endereço;
- Certidões negativas criminais e certidões cíveis estaduais e federais do local de residência dos últimos cinco anos;
- Certidão de Tabelionatos de Protestos do local de residência dos últimos cinco anos;
- Certidões da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Militar (se for o caso).
Foto: Divulgação / Reprodução
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