A ilusão de dar conta de tudo custa a saúde mental de mães

Em 2024, Campanha Maio Furta Cor tem como lema “Uma mãe leva a outra”, mostrando a importância das trocas entre mulheres mães

Organizar, priorizar, avaliar, antecipar, antever, programar e reprogramar. Acalentar, alimentar, nutrir, se doar, amar, educar. Suspirar, sorrir, chorar, esbravejar, se culpar, se anular, se perder, se encontrar e duvidar. Estes são alguns verbos e ações que rodeiam os pensamentos diários de milhares de mães em todo o Brasil. Ter que estar sempre apostos para tantas frentes, dentro e fora de casa, organizando uma planilha mental sem fim, faz com que estas mulheres vivenciam constantes emoções e sentimentos que podem ter um custo alto para a saúde mental de muitas delas.

De acordo com o IBGE, as mulheres dedicam cerca de 10 horas a mais por semana nas atividades de cuidado da casa e de outras pessoas, incluindo os filhos. O resultado são relatos de sobrecarga, desgaste e falta de tempo ou de energia para cuidar de si, o que pode levar a quadros psíquicos preocupantes.

Com a proposta de trazer para o debate público o tema saúde mental materna, foi criada em 2020 a campanha Maio Furta Cor. Sempre em maio, por causa do dia das mães, o movimento dissemina ações em diferentes partes do Brasil para que haja discussões e reflexões que possam ser concretizadas em projetos que beneficiem as mães. Atualmente, cerca de 300 mulheres participam da campanha em todo o território nacional.

A expressão “saúde mental materna” refere-se ao estado psicológico e emocional das mulheres, abrangendo aspectos como bem-estar mental, equilíbrio emocional e a capacidade de lidar com os desafios associados à maternidade. Isso inclui a gestação, o parto, o pós-parto e o cuidado com os filhos.

Neste ano, o lema da campanha é “Uma mãe leva a outra”, que incentiva as mulheres a se apoiarem mutuamente durante a maternidade, mostrando que elas não estão caminhando sozinhas na jornada materna.

Grupos maternos

A psicóloga, Carolina Ruiz Longato Morais, que é representante da campanha em Mogi Mirim, observa a importância que os grupos maternos exercem na vida das mulheres. Nestes espaços, a troca de experiências e compartilhamentos de medos e angústias são fontes de acolhimentos e apoio emocional.

Seja em encontros presenciais ou de forma virtual, em grupos de mensagem ou em redes sociais, essas trocas têm efeitos muito positivos, como relata a psicóloga.

“Esse tipo de suporte promove e estimula a livre expressão das experiências e das emoções, facilita o compartilhar de vivências relacionadas à maternidade, num ambiente de respeito e apoio. É um espaço em que as mães podem vivenciar experiências semelhantes. Os grupos em geral promovem identificação e trocas, podendo estimular novas ideias e direções no processo de maternar. Já experienciei, até mesmo, grupos de mães que se apoiam nas madrugadas, durante as mamadas dos bebês”, pontua.

Apoio em casa

Segundo a psicóloga, na sua prática de atendimento perinatal, entre as principais queixas maternas estão sobrecarga, esgotamento, questões relacionadas com a identidade, acompanhados de um elevado nível de exigência, sentimentos de autorreprovação, insuficiência e culpa. “Em alguns casos, esses quadros podem evoluir para transtornos mentais mais específicos como estresse, ansiedade, depressão e burnout”, alerta.

Em casa, o apoio pode vir de um olhar cuidadoso com esta mulher por parte dos familiares. Por isso, proatividade é a palavra de ordem: o cuidado com os filhos deve ser partilhado e estendido para outros membros da família, para que a mãe possa se nutrir e abastecer positivamente seu “pote emocional”.

“Se estamos pensando em uma mulher com ‘pote emocional vazio’, provavelmente ela já está sobrecarregada e com falta de energia. Será que é função somente das mães essas preocupações com criação dos filhos? Afinal, o pai, avós, tios(as) têm um papel essencial tanto na criação, como na diversão”, ressalta.

Sinais de alerta

Carolina explica que, ao se tornar mãe, é esperado que a mulher vivencie sentimentos ambivalentes relacionados a adaptações à nova rotina e ajustes de expectativas, o que pode gerar frustrações.

“Além da recuperação do parto, as mudanças no seu corpo e o estabelecimento da amamentação, alguns estudos na área da psicologia demonstram que um puerpério emocional pode durar até três anos após o nascimento, com constantes adaptações às rotinas de cada fase do bebê”, salienta.

Entretanto, quando a mulher experimenta sintomas que causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida, é a hora de buscar uma ajuda profissional.

A psicóloga elenca quais os sintomas que são sinais de alerta: humor deprimido, acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades, insônia ou hipersonia, fadiga ou perda de energia na maior parte do dia, quase todos os dias, sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada, capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, medo ou ansiedade impróprios e excessivos.

Políticas públicas

Um estudo divulgado, em maio de 2023, durante um evento da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSPFiocruz), mostrou que 82% das mulheres com depressão perinatal permanecem sem diagnóstico. Daí a importância de se estabelecer políticas públicas voltadas exclusivamente para a saúde mental perinatal.

No Brasil, o acesso ao diagnóstico e ao tratamento está previsto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para todos, independente do nível socioeconômico. “Esse acesso está previsto na teoria, mas na prática não é bem assim. Falta capacitação dos profissionais de saúde para cuidar da saúde mental materna”, afirmou a psicóloga e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, Ana Osório, durante sua fala no evento da ENSPFiocruz.

A profissional integrou o estudo “The lifetime cost of perinatal depression and anxiety in Brazil” (O custo ao longa da vida da depressão e da ansiedade perinatal no Brasil, em tradução livre), que foi apresentado por ela na ocasião, e que traz informações sobre os impactos econômicos de não cuidar da saúde mental materna, apontando os custos ao longo da vida. Ana alertou que os custos de não tratar ansiedade, depressão e suicídio perinatal materno no Brasil são muito altos, cerca de 25 bilhões de reais. Daí a importância do investimento em triagem, tratamento e apoio à saúde mental das mulheres durante o período perinatal, além da alocação de recursos baseada em evidências

Foto (Arquivo Pessoal): Psicóloga, Carolina Ruiz Longato Morais: sobrecarga, esgotamento, sentimentos de insuficiência e culpa podem evoluir para estresse, ansiedade, depressão e burnout

Texto: Ana Paula Barbanti, Jornalista

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